A luz do trem, quando vem, pela ponte, dá no meu quarto.
Pelo vidro da janela e bate no armário.
Como ele é branco, ilumina tudo.
Dá pra ver tudo o que tenho preguiça de mudar por aqui.
O som dos carros da marginal, me faz sentir, às vezes,
que estou perto do mar.
Parece.
Quando chove, um quase imperceptível, cheiro ruim, vem do rio Tietê.
Mas eu só sinto quando procuro.
Se eu me deitar de bruços, fico incomodado, se me deitar de barriga pra cima,
tenho pesadelos: então me restam duas opções: me virar pra esquerda, quando me distraio vendo o móvel do computador, comparando-o com um rosto, ou pra direita, quando me distraio com as pequenas, minúsculas, bolinhas da tinta da parede.
A pior parte de escovar os dentes é perder o último gosto do suco de goiaba.
Era só falar: ...
Nem imaginando consigo saber o que falar. Imagina lá. Meio bêbado ainda.
Porque bêbado fico "ainda mais". "Ainda mais" em tudo.
Se não podia falar; bêbado, não podia ainda mais.
terça-feira, 30 de dezembro de 2008
segunda-feira, 24 de novembro de 2008
sábado, 25 de outubro de 2008
da graça e do Lirismo da rima luso-portuguesa:
Olhos azuis são ciúmee nada valem para mim,
Olhos negros são queixumede uma tristeza sem fim,
Olhos verdes são traiçãosão crueis como punhais,
Olhos bons com coraçãoos teus, castanhos leais.
sexta-feira, 17 de outubro de 2008
quinta-feira, 9 de outubro de 2008
Blues in the Closet
Faz carinho nele.
Não quero...
Faz! Ele é bonzinho, pode encostar!
Não. Tenho medo.
Que medo o quê. Olha só que gostoso que é. Pega!
...
Viu? Viu como ele gosta? Passa a mão aqui, mais perto da cabeça... Isso, assim. Não precisa ficar com medo.
Quero ir embora.
Como assim?
Quero ir pra casa!
Mas não tá gostoso aqui? Amanhã cedinho eu te levo pra casa, prometo.
Eu quero a mamãe!
Mamãe tá trabalhando hoje, amorzinho... Mas amanhã já volta. Vem, vou te levar pro seu quarto. Já tá na hora de ir pra cama.
[fecham-se as portas.]
sexta-feira, 26 de setembro de 2008
sorrindodia
Fez-lhe as coceguinhas de toda a noite, em toda a parte e de toda sorte, e os dois riam-se e pulavam feito crianças debaixo da colcha de piquet e do edredon e do lençol de flanela que ela já tinha jogado prum lado da cama porque sentia calor demais com aquela coisa.
Olhavam-se no escuro e adivinhavam ali o olho um do outro e a boca do mesmo jeito e a brincadeira virava uma coisa outra, e essa coisa outra ia se escorregando pra outros cantos junto com a roupa que todos já sabiam desde o começo que não ia durar muito.
Acordavam com um solzinho frio na janela, debaixo das cobertas se abraçavam pele na pele e nadamais, felizes feito uns animaizinhos tão lindinhos que viviam conforme o paraíso lhes despontava na cuca.
quarta-feira, 24 de setembro de 2008
Barro
Caindo de joelhos no barro o velho falava sozinho: "Agora é Deus pra me ajudá!". Com a voz tremendo.
Disse isso e começou a procurar o quão rápido sua idade permitia. Engatinhando.
A alvura de seu cabelo contrastava com a negritude de sua pele. E principalmente com o fundo: mata escura, de noite sem lua.
Barulho? Só de grilo, bicho pequeno que corria e, lá longe, gritos de socorro. Gritos de mulher.
Eram das filhas do velho de joelhos.
Velho que só tinha de fazer uma coisa: buscar a carta do Coronel no casarão vizinho. Só isso.
No caminho, na pressa, derrubou, mas não viu. Quando voltou, abriu a mão e gelou. Voltou pra procurar e se acaso o chamassem: ainda não tinha voltado. Sabia que chegar sem a carta era pior.
O Coronel tinha pressa, e agora, ele também. "Que será das minha minina?!".
Procurar naquele barro molhado, pressa e pressão dos gritos das filhas. Não dá certo.
Não deu!
Quando parou de ouvir o grito duma delas, a mais nova, correu o mais rápido que pôde. Mas a pressa só piorou, chegou a tempo de ver a outra também ser morta. Da porta.
O coronel, do alto das botas, trombou nele ao sair: - Pra nêgo preguiçoso ir mais rápido da próxima vez!
Sujo de barro. Aterrorizado e parado na porta.
Não se aguentava de dor, de horror e de pena.
"Pena que eu deixei cair o diamante".
terça-feira, 23 de setembro de 2008
Lembretes descontraídos.
"Filho,
estou indo pra Vanda fazer a unha, mas deixei dinheiro pra você descer e comprar comida no mercado."
"Filho, depositei o dinheiro do seu presente de aniversário na sua conta. Bom proveito."
"Vinícius, vê se lava a louça hoje, afinal, te adotamos pra isso."
sábado, 20 de setembro de 2008
pé torto
Abriu a janela pensando que podia encontrar alguma coisa esperando por ela, mas só o que tinha era um macaco que correu mancacando até se desaparecer no prêto da noite. Macaco.
Sentou seu corpinho se abraçando no frio que passava facim pela camisolinha fina. Escovou os cabelos com carinho e nem sentiu quando sua mamãe chegou em casa cheia de uísques e hombridades várias.
Dona de peitos cabeludos da cidade inteira, ela entrou tão quieta quanto podia no seu quarto. Tirou os sapatos, jogou o vestido no chão e o resto todo já se tinha arrancado fora fazia tempo. Deu uma risada torta pro seu espelho, passou a mão nas tetas e na barriga que sescorria sem parar pela perna abaixo. Sem banho nem banheiro ela se deitou. Dormiu enrolada em algodão e canalhice, recheio vazando e melecando tudo as coisa naquela noite.
De manhã ela acordou e deu risada de tudo aquilo enquanto servia pra filha um copão de leite puro.
quinta-feira, 18 de setembro de 2008
Tava frio.
Morreu cedo, o coitado. Levantou às 5 da manhã pra mijar e um infarto fulminante o derrubou.
segunda-feira, 8 de setembro de 2008
Medley
Ouviu os passos como quem ouve um telefone público tocar de muito longe. Sentia o calor subindo pela sua coluna acima, mas não conseguia desviar a atenção. Quando a porta abriu, num rompante assustador, ele não se sobressaltou e nem parou o movimento, que ficava cada vez mais rápido e impossível de se deter. A realidade agora era outra, ele não sentia o ao redor, não ouvia o grito de surpresa/nojo/reprovação que vinha da porta, não via ninguém no seu quarto além de si mesmo. Selvagem, continuou até o fim, o suado, frenético e retumbante fim.
Ele saiu daquela casa, cresceu por fora e por dentro, e hoje é o maior bailarino flamenco judeu de toda a Holanda.
Ele saiu daquela casa, cresceu por fora e por dentro, e hoje é o maior bailarino flamenco judeu de toda a Holanda.
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