sexta-feira, 26 de setembro de 2008

sorrindodia

Fez-lhe as coceguinhas de toda a noite, em toda a parte e de toda sorte, e os dois riam-se e pulavam feito crianças debaixo da colcha de piquet e do edredon e do lençol de flanela que ela já tinha jogado prum lado da cama porque sentia calor demais com aquela coisa.

Olhavam-se no escuro e adivinhavam ali o olho um do outro e a boca do mesmo jeito e a brincadeira virava uma coisa outra, e essa coisa outra ia se escorregando pra outros cantos junto com a roupa que todos já sabiam desde o começo que não ia durar muito.

Acordavam com um solzinho frio na janela, debaixo das cobertas se abraçavam pele na pele e nadamais, felizes feito uns animaizinhos tão lindinhos que viviam conforme o paraíso lhes despontava na cuca.

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Barro

Caindo de joelhos no barro o velho falava sozinho: "Agora é Deus pra me ajudá!". Com a voz tremendo.
Disse isso e começou a procurar o quão rápido sua idade permitia. Engatinhando.
A alvura de seu cabelo contrastava com a negritude de sua pele. E principalmente com o fundo: mata escura, de noite sem lua.
Barulho? Só de grilo, bicho pequeno que corria e, lá longe, gritos de socorro. Gritos de mulher.
Eram das filhas do velho de joelhos.
Velho que só tinha de fazer uma coisa: buscar a carta do Coronel no casarão vizinho. Só isso.
No caminho, na pressa, derrubou, mas não viu. Quando voltou, abriu a mão e gelou. Voltou pra procurar e se acaso o chamassem: ainda não tinha voltado. Sabia que chegar sem a carta era pior.
O Coronel tinha pressa, e agora, ele também. "Que será das minha minina?!".
Procurar naquele barro molhado, pressa e pressão dos gritos das filhas. Não dá certo.
Não deu!
Quando parou de ouvir o grito duma delas, a mais nova, correu o mais rápido que pôde. Mas a pressa só piorou, chegou a tempo de ver a outra também ser morta. Da porta.
O coronel, do alto das botas, trombou nele ao sair: - Pra nêgo preguiçoso ir mais rápido da próxima vez!

Sujo de barro. Aterrorizado e parado na porta.
Não se aguentava de dor, de horror e de pena.
"Pena que eu deixei cair o diamante".

terça-feira, 23 de setembro de 2008





A passeata tava tão bonita que ela não se guentô não, dotô... Perdeu a cabeça assim sem mais nem menos, vê se pode.

Lembretes descontraídos.

"Filho,
estou indo pra Vanda fazer a unha, mas deixei dinheiro pra você descer e comprar comida no mercado." 

"Filho, depositei o dinheiro do seu presente de aniversário na sua conta. Bom proveito."

"Vinícius, vê se lava a louça hoje, afinal, te adotamos pra isso."

sábado, 20 de setembro de 2008

pé torto

Abriu a janela pensando que podia encontrar alguma coisa esperando por ela, mas só o que tinha era um macaco que correu mancacando até se desaparecer no prêto da noite. Macaco.

Sentou seu corpinho se abraçando no frio que passava facim pela camisolinha fina. Escovou os cabelos com carinho e nem sentiu quando sua mamãe chegou em casa cheia de uísques e hombridades várias.

Dona de peitos cabeludos da cidade inteira, ela entrou tão quieta quanto podia no seu quarto. Tirou os sapatos, jogou o vestido no chão e o resto todo já se tinha arrancado fora fazia tempo.  Deu uma risada torta pro seu espelho, passou a mão nas tetas e na barriga que sescorria sem parar pela perna abaixo. Sem banho nem banheiro ela se deitou. Dormiu enrolada em algodão e canalhice, recheio vazando e melecando tudo as coisa naquela noite.

De manhã ela acordou e deu risada de tudo aquilo enquanto servia pra filha um copão de leite puro.

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

Tava frio.

Morreu cedo, o coitado. Levantou às 5 da manhã pra mijar e um infarto fulminante o derrubou.

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Medley

Ouviu os passos como quem ouve um telefone público tocar de muito longe. Sentia o calor subindo pela sua coluna acima, mas não conseguia desviar a atenção. Quando a porta abriu, num rompante assustador, ele não se sobressaltou e nem parou o movimento, que ficava cada vez mais rápido e impossível de se deter. A realidade agora era outra, ele não sentia o ao redor, não ouvia o grito de surpresa/nojo/reprovação que vinha da porta, não via ninguém no seu quarto além de si mesmo. Selvagem, continuou até o fim, o suado, frenético e retumbante fim.

Ele saiu daquela casa, cresceu por fora e por dentro, e hoje é o maior bailarino flamenco judeu de toda a Holanda.